quarta-feira, 4 de julho de 2012

O CAMINHO PARA ALFABETIZAR

O caminho para alfabetizar

Ensinar a ler e escrever exige um estudo constante para conhecer como as crianças aprendem, as práticas de linguagem e as atividades fundamentais em classe. Conheça o caminho para fazer toda a turma avançar

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NA TRILHA CERTA Helena Gouveia, 4 anos, da Escola Criarte, em São Paulo, mostra a lista de músicas para sua festa. Foto: Cacá Bratke
Helena Gouveia, 4 anos, da Escola Criarte, em São Paulo, mostra a lista de músicas para sua festa
Os dados mais recentes do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado em 2009 pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, expressam uma realidade absurda. De acordo com o índice, quatro em cada dez brasileiros que cursaram até a 4ª série e hoje têm entre 15 e 24 anos de idade não conseguem compreender nada além de um pequeno bilhete ou anúncio. Um fracasso que, em grande medida, tem como responsável uma concepção de ensino inadequada, que predominou nas salas de aula durante boa parte do século passado. Ao voltar suas baterias quase exclusivamente para as atividades de cópia e memorização das famílias silábicas, professores reduziram a alfabetização a uma atividade de decifração em que ler era decorar sílabas, e escrever, repeti-las à exaustão. Havia um problema grave sobre o que se ensinava, pois a escrita era abordada sem seu aspecto comunicativo.

Hoje, dezenas de pesquisas científicas apontam que é essencial mergulhar no funcionamento do sistema de escrita alfabético em meio às práticas sociais de linguagem em que ele se expressa. Em outras palavras, conhecer os diferentes tipos de texto, suas funções comunicativas e as formas como eles devem ser produzidos é fundamental para que os alunos saibam como interpretá-los e concebê-los. "Os melhores alfabetizadores encontraram o equilíbrio entre esses dois polos: levam a turma a compreender a natureza do sistema de escrita e, ao mesmo tempo, a entrar em contato com as características da linguagem que escreve", afirma Cristiane Pelissari, formadora do programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, de São Paulo. Muitas vezes vão além disso. Também promovem atividades diagnósticas para avaliar o que as crianças sabem e o caminho que cada uma precisa percorrer para se alfabetizar. Em seguida, organizam a rotina em três modalidades: atividades permanentes, sequências e projetos didáticos.

NOVA ESCOLA agrupou essas ações em seis práticas essenciais para uma alfabetização efetiva. Conheça os detalhes de cada uma delas e as características das atividades desafiadoras:
• Identificar o que cada criança da turma já sabe
• Realizar atividades com foco no sistema de escrita
• Realizar atividades com foco nas práticas de linguagem
• Utilizar projetos didáticos para alfabetizar
• Trabalhar com sequências didáticas
• Incluir atividades permanentes na rotina

OS DESAFIOS DE ALFABETIZAR

 Públicado na Edição de ABRIL de 2012

As particularidades das escritas silábico-alfabéticas

A evolução da escrita silábico-alfabética para a alfabética é repleta de especificidades. Conhecê-las é fundamental para avaliar adequadamente o desenvolvimento dos alunos e melhor ajudá-los a avançar

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Saber a teoria para ensinar bem. Foto: Danny Yin
Danielle selecionou dois pares de nomes de animais que começam com C e terminam com a mesma letra. Dessa forma, leva o aluno a buscar outro índice gráfico que não só a letra inicial e a final.
Imagine-se numa sala de concertos, apreciando uma orquestra, com violinos, trombones, violoncelos e flautas, entre outros instrumentos. Você seria capaz de distinguir entre os sons produzidos pelos de sopro e os de corda? A maioria dos leigos em música considera isso difícil. Da mesma forma, identificar os sons que compõem uma sílaba é uma tarefa complexa para os alunos que estão na transição da hipótese de escrita silábica para a silábico-alfabética. Essa analogia foi feita pela psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, que sintetizou as conclusões a que chegaram pesquisadores por ela orientados no recente artigo A Desestabilização das Escritas Silábicas: Alternâncias e Desordem com Pertinência.

Análises de escritas de crianças como Maria, 5 anos, foram a base da pesquisa da argentina Claudia Molinari. Desafiada a escrever sopa, a menina produz primeiramente uma escrita silábica: OA. Insatisfeita com a quantidade de letras - já que nessa fase a maioria das crianças acredita que sejam necessárias no mínimo três para garantir uma escrita legível -, ela acrescenta SP. O resultado final é OASP. "Todas as letras da palavra estão ali, mas em desordem (...). O que Maria produz são duas escritas silábicas justapostas", pontua Emilia.

Em outra etapa do estudo, ela observou crianças realizando a tarefa de escrever consecutivamente uma mesma lista, primeiramente com lápis e papel e, em seguida, no computador. Focou a análise, portanto, em pares de palavras, o que evidenciou produções intrigantes, como as de Santiago, 5 anos. No caderno, ele representa soda como SA e na tela como OD. Salame vira SAM no papel e ALE na tela. Apesar de conhecer todas as letras de soda e de salame, ele não as coloca juntas. O fenômeno, explica Emilia, é chamado de alternâncias grafofônicas.

Soluções curiosas como a de Maria e Santiago já haviam sido observadas pela pesquisadora mexicana Graciela Quinteros. Ela notou que crianças com hipótese silábica usavam algumas letras com três funções específicas - não correspondentes ao som da sílaba propriamente dito:

- Recheio gráfico Para separar vogais iguais ou preencher um espaço dentro da palavra ou no fim dela.
A    P A E    A
á               gua

AM     OA
ma      çã 
- Curinga Como substituta de uma sílaba ou de uma consoante que a criança não sabe grafar. A mesma letra aparece como curinga em várias palavras.
O   MA    B
to   ma   te

AB    CI
ca    qui 
- Nome da sílaba Para escrever uma sílaba inteira. É comum o uso do K para CA e do H para GA.
BI    H     D   RO
bri  ga  dei   ro

K   SA
ca  sa
Alternâncias grafofônicas, escritas silábicas justapostas, uso de letras como recheio gráfico, curinga e substitutas de uma sílaba. As sofisticadas soluções são usadas pelos que estão saindo da hipótese silábica com valor sonoro convencional e construindo uma silábico-alfabética. A informação tem grande valor para o trabalho de professores como Danielle Araujo, da EMEF Madalena Caltabiano Salum Benjamim, em Pindamonhangaba, a 146 quilômetros de São Paulo, e da EMEF Professor Ernani Giannico, em Tremembé, a 135 quilômetros da capital paulista.

Para não confundir esses avanços com retrocessos, ela procura fazer avaliações criteriosas. Esse é um ponto crucial, já que aparentemente a escrita dos silábicos é mais estável e fácil de interpretar, diferentemente da dos silábico-alfabéticos. "Quando estudei o artigo da Emilia sobre desordem e alternâncias, passei a ver coisas que antes não via." Para conseguir enxergar e distinguir as peculiaridades dos silábicos-alfabéticos, Danielle se vale das sondagens individuais.

Ao identificar que o estudante está nessa fase intermediária entre a hipótese silábica e a conquista da base alfabética, como fazê-lo avançar? "É preciso criar situações didáticas que favoreçam a reflexão sobre o sistema alfabético de escrita, levando-o a analisar o interior das sílabas", explica. Isso é útil quando ele se depara com palavras que começam e terminam com a mesma letra. Para identificar a que procura, a criança tem de analisar as letras do meio. O trabalho de Danielle se desdobra com Laiane de Oliveira, do 4º ano, que tem deficiência intelectual. Para que ela aprenda a ler e escrever, a professora flexibiliza as atividades (leia o quadro na próxima página).
Os erros mais comuns
- Perguntar à criança "que letra está faltando?". Se ela soubesse, já teria colocado. O melhor é pedir que leia o que escreveu para que ela mesma decida por alguma alteração.

- Pedir que o aluno ouça o som da sílaba. O problema não é de audição, mas de concepção de escrita. Daí a importância de compreender como ele está pensando.

- Não orientar os estudantes por achar que eles devem construir a escrita sozinhos. É preciso oferecer a todos informações sobre a grafia das palavras, além de sugerir a eles fontes escritas e a troca com os colegas.

LITERATURAS SOBRE ALFABETIZAÇÃO

Como elaborar atividades de escrita pelo aluno na alfabetização

Desde as primeiras aulas, escrever leva a turma a refletir a respeito do sistema alfabético, além de formular, testar e avançar nas próprias hipóteses

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alfabeitzação
01-No dia a dia da sala de aula, a escrita aparece em listas de presença, calendários, livros, revistas, cartazes... Fora da escola, não é diferente: está em cada carta, e-mail, placa, receita e bilhete. Nessas entrelinhas, o alfabetizador tem um aliado: a escrita pelo aluno - uma das quatro situações didáticas básicas da alfabetização, segundo pesquisas na área - como um instrumento com razão de existir, e não apenas como sílabas, palavras e frases soltas, que não fazem sentido para as crianças. No livro Aprender a Ler e a Escrever, Ana Teberosky e Teresa Colomer falam sobre a importância com esse cuidado: "Apesar de a criança aprender graças à interação com diferentes materiais gráficos, para apropriar-se da linguagem escrita" é necessário que ela participe de situações em que a escrita adquira significação."
Assim, contempla-se o preceito colocado pela psicolinguista argentina Emilia Ferreiro de que qualquer escrita é um conjunto de marcas gráficas intencionais, mas são as práticas culturais de interpretação que as transformam em objetos simbólicos e linguísticos.



01-Alfabetização em Processo

Autor(a): Emilia Ferreiro
Editora: Cortez
Categoria: Formação
Biblioteca vitual
Alfabetização em Processo. Divulgação
136 páginas
Oescritor e jornalista Ítalo Calvino, um dos autores italianos mais importantes do século 20, costumava dizer que clássico é um livro que nunca se esgota. Não por acaso, essa definição se aplica integralmente a Alfabetização em Processo, uma obra que permite aprofundamentos, leituras, releituras e aprendizagens aparentemente intermináveis.

Lançado há 25 anos, o título é de autoria da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro - a estudiosa que maior influência exerceu sobre os educadores brasileiros nas últimas três décadas. São cinco artigos. Os quatro primeiros tratam do caminho percorrido pelas crianças no processo de aquisição da representação escrita da linguagem. O último, por sua vez, investiga a aquisição da representação por escrito de quantidades e operações. A inclusão desse tema, segundo Emilia, deve-se ao fato de a alfabetização supor a construção simultânea desse conhecimento, ao lado da leitura e da escrita, e por fazer parte da proposta de superação do fracasso escolar.

A cada capítulo, a autora presenteia seus leitores com a explicitação do que antes não era observável - ou seja, oferece uma lente que permite acompanhar a busca inteligente da criança por respostas para a apropriação de um objeto social. Nota-se claramente a base teórica piagetiana em todos os textos. E cada um aborda de maneira diferente a pergunta fundamental que guia as investigações epistemológicas e psicológicas: como se passa de um estado de menor a outro de maior conhecimento?

Mais um aspecto relevante desta obra é o entendimento da escrita como um sistema de representação, e não como código de transcrição. Esse conceito faz muita diferença, pois altera a concepção do que pode ser considerado processo envolvido na alfabetização. Por essa ótica, desloca-se o foco das questões ligadas à discriminação visual e auditiva e às coordenações sensoriais ou motoras para os problemas cognitivos enfrentados pelo sujeito (como a relação entre o todo e as partes que constituem um escrito, a coordenação dos aspectos quantitativos e qualitativos da escrita e a distinção entre o que está escrito e o que se pode ler). Tudo isso faz de Alfabetização em Processo uma leitura imprescindível.

Sandra Medrano, autora desta resenha, é pedagoga, mestre em Educação e coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa Cedac, em São Paulo.

Alfabetização em Processo, Emilia Ferreiro, 136 págs., Ed. Cortez,  tel. (11) 3873-7111.
Trecho do livro
"Progredir alfabetização adentro não é uma jornada tranquila. Encontram-se muitos altos e baixos nesse caminho, cujos significados precisam ser compreendidos. Como qualquer outro conhecimento no domínio cognitivo, é uma aventura excitante, repleta de incertezas, com muitos momentos críticos, nos quais é difícil manter a ansiedade sob controle."


03-

Alfabetização e Letramento - Pontos e Contrapontos

Alfabetização e Letramento - Pontos e Contrapontos
Formato 14 x 21 cm, 226 páginas
Dois educadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) refletem sobre conceitos e práticas pedagógicos referentes ao ensino da língua escrita. O papel da afetividade na alfabetização, a revisão de certos paradigmas da área e a sistematização do trabalho em sala de aula são algumas das questões norteadoras da obra.
Destaque: A terceira parte, na qual os dois autores debatem o tema.

A INFORMAÇÃO AJUDA O ALUNO A REFLETIR A ESCRITA PELO ALUNO NA ALFABETIZAÇÃO

A pesquisadora argentina Ana Maria Kaufman

afirma sobre alfabetização que as intervenções do professor são essenciais no processo de construção da escrita pela criança.Edição especial sobre Alfabetização/Março de 2009.

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ANA MARIA KAUFMAN. Foto: Arquivo pessoal
ANA MARIA KAUFMAN

             Professora de Psicologia e Epistemologia da Universidade de Buenos Aires, a argentina Ana Maria Kaufman também é pesquisadora do Programa Escuelas para el Futuro, da Universidade de San Andrés, na Argentina, e assessora da área de Línguas do Colégio Alas de Palomar. No início dos anos 1970, fez parte de um grupo de pesquisas sobre a alfabetização ao lado de Emilia Ferreiro, Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez e Lílian Tolchinsk, no qual, segundo ela, nasceu sua paixão pelo tema. É autora de, entre outros livros, Escola, Leitura e Produção de Textos, Alfabetização de Crianças: Construção e Intercâmbio e A Escrita e a Escola. Para ela, "a única forma de alfabetizar é ver a leitura e a escrita como práticas sociais. Ensinadas de forma solta, as letras, as palavras e as normas gramaticais não servem para formar leitores e escritores. Essas coisas apenas têm sentido quando estão incluídas em situações de leitura e escrita". Nos últimos dez anos, ela se dedica ao estudo da construção de resumos escritos. "Resumir é estudar, é reescrever um texto uma vez e outra vez, até que se entenda o que há de mais importante ali. Dentro dessa perspectiva, creio que o resumo é fundamental porque implica a verdadeira compreensão do texto.
Por que é importante promover o contato da criança com a leitura antes mesmo de ela saber ler como os adultos?
 

ANA MARIA KAUFMAN Bom, como lê uma criança que ainda não sabe ler? Nesse caso, é fundamental que o professor proporcione situações em que os textos estejam contextualizados, ou seja, que não apresente palavras e frases soltas, sem informação adicional, pautando-se apenas por ensinar as letras e o som das letras. Porque dessa maneira o aluno vai aprender a relacionar as letras, mas não desenvolverá estratégias de leitura.

Que informações o professor pode passar para estimular a turma?
 

ANA MARIA O desenvolvimento dessas estratégias pode ser estimulado em duas situações. Na primeira delas, o texto vem acompanhado de imagens, por meio das quais a criança pode antecipar o que está escrito em função das figuras que acompanham o texto. Isso é possível em contos ilustrados e histórias em quadrinhos, ou seja, é uma ajuda para a leitura da criança. Essa ajuda também pode ser dada por objetos, por exemplo, quando uma criança olha para uma caixinha de leite e consegue não necessariamente ler toda a informação que está ali, mas, por conhecer alguma letra, descobrir onde está escrito "leite". É um processo, porque no começo as crianças antecipam tudo em função da imagem e depois tentam relacionar a imagem com a escrita: "Não, isso que penso não pode ser, pois o que está escrito aqui é muito grande e o que estou querendo dizer é apenas um nome". Os alunos começam a levar em consideração características quantitativas e qualitativas da escrita para saber se o que estão pensando pode ou não pode ser, até que finalmente acabam aprendendo a ler. A outra estratégia é dar às crianças textos sem imagens, mas informando sobre o conteúdo.

Ele pode utilizar textos previamente conhecidos pelos estudantes?
 

ANA MARIA Sim. O professor oferece a estrofe de uma canção que o aluno já conhece ou lhe explica o que está escrito ali. Só então pede que identifique palavras: o que diz na primeira linha? E essa palavra, qual é? Onde está escrito isso? São dois caminhos básicos para proporcionar à criança situações de leitura antes que ela leia convencionalmente e fazer com que se aproxime da leitura convencional lançando mão de boas estratégias de leitura.

O que a senhora quer dizer com "estratégias de leitura"?
 

ANA MARIA Quando lemos, não vemos todas as letras, mas antecipamos em função de algumas letras conhecidas, decidimos e vamos vendo o que é mais e menos importante, prestamos mais atenção quando damos mais importância, relacionamos os dados... É uma estratégia de leitura, por exemplo, descobrir as relações entre diferentes elementos do texto. Se aqui diz "ali", a que esse termo pode se referir? Em algum outro lugar do texto, há uma parte à qual "ali"está fazendo referência. São estratégias que o leitor utiliza. Elas incluem não só o descobrimento dessas correferências, que ligam elementos uns com os outros dentro do próprio texto, mas também das inferências ao não-escrito. A criança pode ir despertando desde cedo para tais estratégias, de acordo com essas propostas.
O que provoca o conflito entre a palavra escrita e as hipóteses do aluno?
 

ANA MARIA Há situações de contato com os textos que seguramente vão estimular essa confrontação. São quatro estratégias que podem levar as crianças a avançar: escutar a leitura feita pelo professor, ditar para um mestre escriba, e ler e escrever por elas mesmas.
Como se constrói a relação entre o conteúdo que os alunos já sabem de cor e o mesmo conteúdo que o professor escreve no quadro-negro ou pendura na parede, como nas atividades com cantigas e parlendas?
 

ANA MARIA Isso ocorre quando a criança começa a descartar determinadas antecipações: "Não, com essa letra não, porque com essa letra começa a outra palavra que já conheço". Ou seja, há um mal-entendido quando pensam que somos contra o ensino das letras. O que não podemos fazer é ensiná-las numa determinada ordem ou descontextualizadas, mas de outra maneira. Por exemplo, os estudantes trabalham com o nome dos colegas de sala e vão percebendo quais letras estão em cada um deles. Assim, passam a saber que a letra "p" serve para escrever o nome "Paulo".

A lista de presença, assim, se transforma em instrumento de alfabetização. Que outros recursos podem ser utilizados pelo professor?
 

ANA MARIA Propomos que nas salas de Educação Infantil haja dois materiais básicos: o abecedário, mas sem imagens, para que a criança possa visualizar quantas letras há em nosso alfabeto, em que ordem elas aparecem e que essas são todas as letras que existem e sempre estarão nessa ordem quando busco informação numa enciclopédia, agenda ou lista telefônica. No abecedário ilustrado, essa capacidade se perde porque as figuras no meio das letras atrapalham a percepção dos alunos. Além disso, é importante ainda a existência de bancos de dados, com figuras e seus nomes - um cachorro com "cachorro" escrito embaixo -, que esteja à disposição das crianças o tempo todo, para quando ela sinta a necessidade de buscar essa informação.

Como a criança indentifica as partes de uma estrofe ou de uma canção?
 
ANA MARIA Bom, é provável que o professor diga ao aluno: "Você não acha que, quando te dizem 'Alma', você tem de buscar uma palavra com 'a'? Se há mais de uma palavra com 'a', no que você tem que prestar atenção para saber quando diz 'Alma' e quando diz 'Ana'?" Esse trabalho tem de ser feito permanentemente com os estudantes.

Então a intervenção do professor é importantíssima no processo, não?
 

ANA MARIA Sim. É importante que o professor, seja como for, ensine. Porque erros muito sérios foram cometidos pensando assim: ah, se isso é uma construção, a psicogênese, há que se ver como a criança avança, temos de deixá-la... Não, o professor sempre deve ensinar, ler e escrever com as crianças e propor situações de leitura e escrita e fornecer informação. Sempre. Senão alguns alunos poderão aprender, e outros, não.

O QUE ACONTECE QUANDO NÃO NOS COLOCAMOS NA PERSPECTIVA DO ALUNO?

  compartilhar, públicado em nova escola.

O QUE ACONTECE QUANDO NÃO NOS COLOCAMOS NA PERSPECTIVA DO ALUNO?

Para especialistaTelma Weisz, o professor alfabetizador precisa apostar alto na capacidade de seus alunos


   
 Telma "Cegamos" o aluno. É porque somos alfabetizados que ouvimos e vemos coisas que, para os que ainda não sabem ler e escrever, não estão lá. Um exemplo simples: muitos professores estão convencidos de que o branco entre as palavras é uma coisa que se pode escutar. Isso só pode acontecer a uma pessoa cuja percepção da relação entre escrita e leitura está de tal maneira organizada em cima da sua própria competência leitora que nem passa por sua cabeça que a fala é um contínuo e que jamais as crianças vão encontrar no falado os elementos que permitirão separar as palavras. E é claro que, dessa perspectiva, ao vê-las escrevendo tudo grudado, imagina-se que há uma disfunção, um problema. Não há. Trata-se de um momento necessário do processo. É preciso aprender a escrever assim para depois pensar na questão das separações.
        Colocar-se no lugar do aprendiz é essencial para ensinar. Muitos falam em "palavras", como se as crianças soubessem o que é isso. Mas só gente alfabetizada, que já escreve e segmenta o texto, pode saber o que são palavras. E, às vezes, mesmo quando já fazem isso, recusam a ideia de que os artigos sejam palavras. Não estou dizendo para não usar a terminologia, mas é preciso ter claro que o que se está nomeando não é exatamente o que as crianças pensam que é. Certa vez, perguntei a uma menina o que era "palavra". Ela respondeu: "É o que está escrito na Bíblia." E eu insisti: "Por quê?". "Por que a Bíblia é a palavra de Deus". Imaginar que é obvio escrevermos exatamente como falamos, na mesma ordem, só acontece se não nos colocamos no lugar de quem está aprendendo. Porque, ao assumir essa perspectiva, somos obrigados a olhar de outro jeito. Intuitivamente, ninguém é capaz de fazer isso.
         Só com pesquisa cientifica é possível compreender o outro que pensa diferente de você. A vida inteira, vi meninos escreverem coisas que, para mim, não eram escrita, não eram nada. Nunca parei para refletir sobre o que eles estavam pensando. Até o dia em que li sobre a psicogênese. E aí fiquei furiosa comigo mesma, porque já tinha visto aquilo tudo. Qualquer alfabetizador já viu crianças escrevendo com uma letra para cada sílaba ou com menos letras. Na verdade, não dávamos importância. Não olhávamos para isso como uma ação inteligente delas. Sem a ajuda da ciência, não se pode recuperar uma visão que já se teve, mas que foi apagada, numa espécie de esquecimento cognitivo.
      Há muitos anos, quando trabalhei com professores indígenas no Acre, estava explicando a eles as hipóteses sobre a escrita e dizendo que, no inicio, as crianças pensam que, para escrever um pedaço do que se fala, basta um pedaço de escrita, que para eles é a letra. Eles me olhavam com estranheza, pois essa ideia de hipótese era muito estranha à cultura local. Até que um deles puxou uma folha antiga de sua pasta. Ele se chamava Norberto, havia feito um desenho e assinado NBT.
            Era recém-alfabetizado e ainda tinha o documento de suas próprias hipóteses. Foi uma situação interessante ver um adulto recuperar esse esquecimento. Nós não nos lembramos de quando não sabíamos calcular, escrever, ler. Nós não temos a memória viva do que é ser alguém que tem de aprender, que não sabe nada sobre determinada coisa. E os professores, como tais, só podem recorrer ao conhecimento cientifico para recuperar isso. Porque, via bom senso ou afetividade, não se chega a lugar algum.

Quais são os equívocos mais comuns na escolha das intervenções para fazer a turma avançar nas hipóteses de escrita?

Telma Vejo duas versões sobre isso. Em uma delas, a mais tradicional e frequente, mostra-se aos silábicos quais letras faltam, imaginando que isso os ajuda a chegar a uma hipótese mais avançada.
           Há uma dificuldade enorme de aceitar e deixar no caderno uma escrita que não esteja ortograficamente correta. "O que os pais vão pensar?", "o aluno achará que está certo", "vai fixar o erro".
         Na verdade, falta compreensão da diferença entre trabalhar o processo de aprendizagem e trabalhar sobre o produto que a criança está realizando. Toda a tradição de correção com caneta vermelha e de cópia dos erros vem daí - existe o não saber, o saber errado e o saber certo
          E é claro que isso corresponde a uma concepção de aprendizagem, para a qual o ensino, por sua vez, cuida de evitar que se fixem na memória ideias erradas. Na visão construtivista, com uma abordagem psicogenética da alfabetização, fica claro que aquela escrita, errada segundo os padrões convencionais, faz parte de um processo do aluno. E que, naquele momento, é preciso estimular o máximo possível a reflexão sobre o que se escreve. É possível e necessário subsidiá-lo para ajudá-lo, o que é muito diferente de dar informações para obter um produto correto.
        A segunda versão é uma leitura parcialmente equivocada do que chamamos de conflito cognitivo. Ou seja, o que faz um menino, que está lá, bem satisfeito da vida, escrevendo uma letra para cada sílaba e conseguindo se virar assim, abandonar essa hipótese que, do ponto de vista teórico, é tão elegante? Como é que ele avança? Além da hipótese de que, para cada vez que abrimos a boca, usamos uma letra, ele tem outras, como a de que não pode escrever uma mesma letra repetida, escrever com poucas letras e, de forma alguma, escrever com uma letra só. Mas, para alguns, duas letras também é muito pouco. A média estatística da exigência é em torno de três letras.
        O que acontece com uma língua como o português, com uma quantidade enorme de palavras dissílabas?     Toda vez que a criança escreve um dissílabo, tem um problema, pois precisa colocar alguma coisa para não cometer um "sacrilégio". Essa contradição entre os esquemas explicativos que ela tem para a leitura e a escrita é que dá origem e espaço ao que chamamos de conflito cognitivo.
         A partir dessa explicação, os professores fazem uma assimilação de que é preciso produzir situações conflitivas o tempo todo. Mas o conflito ou é do aprendiz ou vira uma conversa sem nexo para ele.
          Uma das atitudes equivocadas mais clássicas nessa linha é mandar contar os pedaços de uma palavra falada. Por exemplo, para "borracha", bater três palmas, uma em cada sílaba. Então, o professor escreve a palavra, pergunta quantas letras tem e diz: "Você pensa que abrimos a boca três vezes e que é preciso colocar três letras, mas eu estou mostrando que não é, e que borracha, no papel, tem oito letras". Dependendo de em que nível os meninos estejam, isso não faz o menor sentido. E certamente não fará quando estão colocando três letras. Pode ser em uma transição, mas aí não é necessário ficar contando quantas vezes a boca abre ou quantas letras a palavra tem. A própria criança começa a batalhar para colocar as letras. Ou você pode - e para isso é preciso conhecê-la intelectualmente - dizer: "Você sabe fazer melhor do que isso. Pense mais um pouco".






ALFABETIZAR É TODO DIA

 MÃO NA MASSA:Alfabetizar é todo dia

O professor deve planejar com antecedência e constantemente as atividades de leitura e escrita. Por isso, manter-se atualizado com as novas pesquisas didáticas é essencial.Revista Nova escola,em



MÃO NA MASSA  As crianças precisam ser confrontadas com situações de escrita desde o início do processo. Foto: Ricardo Beliel
 
 As crianças precisam ser confrontadas com situações de escrita desde o início do processo.

Colaboradores: Thales de Menezes (novaescola@atleitor.com.br)Colaborou Nina Pavan. Leitoras que sugeriram o especial: Rosany Dutra, Timóteo, MG, e Magda Cecília Arantes de Carvalho, Itapevi, SP
Foto: Ricardo Beliel
Para alguns teoricos Alfabetizar todos os alunos nas séries iniciais tem implicações em todo o desenvolvimento deles nos anos seguintes. Segundo a educadora Telma Weisz, supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, "a leitura e a escrita são o conteúdo central da escola e têm a função de incorporar a criança à cultura do grupo em que ela vive". Por isso, o desafio requer trabalho planejado, constante e diário, conhecimento sobre as teorias e atualização em relação a pesquisas sobre as didáticas específicas.
Esta edição especial traz o que há de mais consistente na área. Hoje se sabe que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre a escrita e a linguagem que se escreve. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus instrumentos de avaliação é um meio de direcionar o trabalho. Um exemplo é a Provinha Brasil, que avalia se as crianças dominam a escrita e também seus usos e funções. Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda e Silva, o grande mérito do teste de avaliação que mede as competências das crianças na fase inicial de alfabetização é fornecer instrumentos para o professor interpretar os resultados, além de sugerir práticas pedagógicas eficazes para alcançá-los. "É um material que ajuda o professor na reflexão porque nenhuma avaliação serve para nada quando se limita a constatar. Ela só faz sentido para mudar práticas e identificar as dificuldades de cada aluno."
E não há tempo a perder. No início do ano, como agora, a tarefa essencial é descobrir quais as hipóteses de escrita das crianças, mesmo antes que saibam ler e escrever convencionalmente . Assim, fica mais fácil acompanhar, durante o ano, a evolução individual para planejar as intervenções necessárias que permitam que todos efetivamente avancem. Essa sondagem inicial influi na distribuição da turma em grupos produtivos de trabalho. Da mesma forma, organizar a rotina é imprescindível. Uma distribuição de atividades deve ser estabelecida com antecedência, contemplando trabalhos diários, sequências com prazos determinados e projetos que durem várias semanas ou meses.
       Ao montar essa programação, cabe ao professor abrir espaço para as quatro situações didáticas que, segundo as pesquisas, são essenciais para o sucesso na alfabetização: ler para os alunos, fazer com que eles leiam mesmo antes de saber ler, assumir a função de escriba para textos que a turma produz oralmente e promover situações que permitam a cada um deles escrever até que todos dominem de fato o sistema de escrita. 

Sabe-se, já há algum tempo, que as crianças começam a pensar na escrita muito antes de ingressar na escola. Por isso, precisam ter a oportunidade de colocar em prática esse saber, o que deve ser feito em atividades que estimulem a reflexão sobre o sistema alfabético.

No livro Aprender a Ler e a Escrever, as educadoras Ana Teberosky e Teresa Colomer apontam que o desenvolvimento do aluno se dá "por reconstruções de conhecimentos anteriores, que dão lugar a novos saberes".  Em todos, transparece a necessidade de abrir espaço para que a turma debata o que produz, permitindo que a reflexão leve a avanços nas hipóteses iniciais de cada estudante.
É fundamental levar para a escola as muitas fontes de texto que nos cercam no cotidiano, como livros, revistas, jornais, gibis, enciclopédias etc. Variedade é realmente fundamental para os alfabetizadores, que devem ainda abordar todos os gêneros de escrita (textos informativos, listas, contos e muito mais). E, nas atividades de produção de texto, a intervenção do professor é vital para negociar a passagem da linguagem oral, mais informal, à linguagem escrita.

O número do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2007, mostra que só 28% da população brasileira está na condição de alfabetizados plenos. Para impedir que mais pessoas fiquem restritas a compreender apenas enunciados simples, o desempenho escolar nos anos iniciais precisa de resultados melhores. Essa preocupação deve ser compartilhada por professores e órgãos públicos. "O governo está fazendo uma intervenção específica nas séries iniciais para ter resultados rapidamente, com dois docentes por sala, material didático de apoio, formação continuada e avaliação bimestral", afirma Maria Helena Guimarães de Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo.
As principais redes de ensino do país, como a estadual e a municipal de São Paulo, trabalham com a meta de alfabetizar as turmas em no máximo dois anos. Para garantir que essas expectativas de aprendizagem sejam atingidas, é preciso um compromisso dos coordenadores pedagógicos em utilizar os horários de trabalho coletivo para afinar a capacitação das equipes. "Pesquisas, debates e orientações curriculares têm de ser incentivados", sugere Célia Maria Carolino Pires, que coordenou em 2008 o Programa de Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

terça-feira, 13 de março de 2012

7 erros do professor em sala de aula

Segundo a autora do texto Camila Monroe,confira como evitar atividades sem foco ou morosas, que roubam um procioso tempo da aprendizagem


Ilustração: Orlandeli1. Utilizar o tempo de aula para corrigir provas

O problema Deixar a turma sem fazer nada ao corrigir exames ou propor que os alunos confiram as avaliações.

A solução Nesse caso, o antídoto é evitar a ação. Corrigir provas é tarefa do educador, para que ele possa aferir os pontos em que cada um precisa avançar. E o momento certo para isso é na hora-atividade.

Ilustração: OrlandeliO problema Durante um debate, pedir que todos os estudantes se manifestem, gerando desinteresse e opiniões repetitivas.
2. Exigir que todos falem na socialização
A solução O ideal é fazer perguntas como "Alguém tem opinião diferente?" e "E você? Quer acrescentar algo?". Assim, as falas não coincidem e os alunos são incentivados a ouvir e a refletir.

3. Não desafiar alunos adiantados.  O problema Crianças que terminam suas tarefas ficam ociosas ao esperar que os demais acabem. Além de perder uma chance de aprender, atrapalham os colegas que ainda estão trabalhando. 

A solução
Ter uma segunda atividade relacionada ao tema da primeira para contemplar os mais rápidos.

Ilustração: Orlandeli
4. Colocar a turma para organizar a sala
O problema A arrumação de carteiras e mesas para trabalhos em grupo e rodas de leitura acaba tomando uma parte da aula maior do que das atividades em si.

A solução
Analisar se a mudança na disposição do mobiliário influi, de fato, no aprendizado. Em caso positivo, vale programar arrumações prévias à aula.

Ilustração: Orlandeli
5. Falar de atualidades e esquecer o currículo
O problema Abordar o assunto mais quente do momento por várias aulas, o que pode sacrificar o tempo dedicado ao conteúdo.

A solução
Dosar o espaço das atualidades e contextualizar o tema. Em Geografia, por exemplo, pode-se falar de deslizamentos de terra relacionando-os aos tópicos de geologia.

Ilustração: Orlandeli
6. Realizar atividades manuais sem conteúdo

O problema Pedir que os alunos façam atividades como lembrancinhas para datas comemorativas sem nenhum objetivo pedagógico.

A solução
Só propor atividades manuais ligadas a conteúdos curriculares - nas aulas de Artes, por exemplo, para estudar a colagem como um procedimento artístico.

7. Propor pesquisas genéricas

O problema Pedir trabalhos individuais sobre um tema sem nenhum tipo de subdivisão. Como resultado, surgem produções iguais e, muitas vezes, superficiais.

A solução
Dividir o tema em outros menores e com indicações claras do que pesquisar. Isso proporciona investigações mais profundas e dinamiza a socialização.

Resta lembrar que nem tudo o que foge ao planejamento é perda de tempo. Questionamentos, por exemplo, são indícios de interesse no assunto ou de que um ponto precisa ser esclarecido. "Para esse tipo de desvio de rota, vale, sim, abrir espaço. Afinal, são atividades reflexivas e que auxiliam na aprendizagem", afirma Cristiane Pelissari, formadora da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
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CONTATO
Cristiane Pelissari

BIBLIOGRAFIA
Competências e Habilidades: Da Proposta à Prática
, Carlos Henrique Carrilho Cruz, 64 págs., Ed. Loyola,
tel. (11) 3385-8500, 7,90 reais