quarta-feira, 4 de julho de 2012

O QUE ACONTECE QUANDO NÃO NOS COLOCAMOS NA PERSPECTIVA DO ALUNO?

  compartilhar, públicado em nova escola.

O QUE ACONTECE QUANDO NÃO NOS COLOCAMOS NA PERSPECTIVA DO ALUNO?

Para especialistaTelma Weisz, o professor alfabetizador precisa apostar alto na capacidade de seus alunos


   
 Telma "Cegamos" o aluno. É porque somos alfabetizados que ouvimos e vemos coisas que, para os que ainda não sabem ler e escrever, não estão lá. Um exemplo simples: muitos professores estão convencidos de que o branco entre as palavras é uma coisa que se pode escutar. Isso só pode acontecer a uma pessoa cuja percepção da relação entre escrita e leitura está de tal maneira organizada em cima da sua própria competência leitora que nem passa por sua cabeça que a fala é um contínuo e que jamais as crianças vão encontrar no falado os elementos que permitirão separar as palavras. E é claro que, dessa perspectiva, ao vê-las escrevendo tudo grudado, imagina-se que há uma disfunção, um problema. Não há. Trata-se de um momento necessário do processo. É preciso aprender a escrever assim para depois pensar na questão das separações.
        Colocar-se no lugar do aprendiz é essencial para ensinar. Muitos falam em "palavras", como se as crianças soubessem o que é isso. Mas só gente alfabetizada, que já escreve e segmenta o texto, pode saber o que são palavras. E, às vezes, mesmo quando já fazem isso, recusam a ideia de que os artigos sejam palavras. Não estou dizendo para não usar a terminologia, mas é preciso ter claro que o que se está nomeando não é exatamente o que as crianças pensam que é. Certa vez, perguntei a uma menina o que era "palavra". Ela respondeu: "É o que está escrito na Bíblia." E eu insisti: "Por quê?". "Por que a Bíblia é a palavra de Deus". Imaginar que é obvio escrevermos exatamente como falamos, na mesma ordem, só acontece se não nos colocamos no lugar de quem está aprendendo. Porque, ao assumir essa perspectiva, somos obrigados a olhar de outro jeito. Intuitivamente, ninguém é capaz de fazer isso.
         Só com pesquisa cientifica é possível compreender o outro que pensa diferente de você. A vida inteira, vi meninos escreverem coisas que, para mim, não eram escrita, não eram nada. Nunca parei para refletir sobre o que eles estavam pensando. Até o dia em que li sobre a psicogênese. E aí fiquei furiosa comigo mesma, porque já tinha visto aquilo tudo. Qualquer alfabetizador já viu crianças escrevendo com uma letra para cada sílaba ou com menos letras. Na verdade, não dávamos importância. Não olhávamos para isso como uma ação inteligente delas. Sem a ajuda da ciência, não se pode recuperar uma visão que já se teve, mas que foi apagada, numa espécie de esquecimento cognitivo.
      Há muitos anos, quando trabalhei com professores indígenas no Acre, estava explicando a eles as hipóteses sobre a escrita e dizendo que, no inicio, as crianças pensam que, para escrever um pedaço do que se fala, basta um pedaço de escrita, que para eles é a letra. Eles me olhavam com estranheza, pois essa ideia de hipótese era muito estranha à cultura local. Até que um deles puxou uma folha antiga de sua pasta. Ele se chamava Norberto, havia feito um desenho e assinado NBT.
            Era recém-alfabetizado e ainda tinha o documento de suas próprias hipóteses. Foi uma situação interessante ver um adulto recuperar esse esquecimento. Nós não nos lembramos de quando não sabíamos calcular, escrever, ler. Nós não temos a memória viva do que é ser alguém que tem de aprender, que não sabe nada sobre determinada coisa. E os professores, como tais, só podem recorrer ao conhecimento cientifico para recuperar isso. Porque, via bom senso ou afetividade, não se chega a lugar algum.

Quais são os equívocos mais comuns na escolha das intervenções para fazer a turma avançar nas hipóteses de escrita?

Telma Vejo duas versões sobre isso. Em uma delas, a mais tradicional e frequente, mostra-se aos silábicos quais letras faltam, imaginando que isso os ajuda a chegar a uma hipótese mais avançada.
           Há uma dificuldade enorme de aceitar e deixar no caderno uma escrita que não esteja ortograficamente correta. "O que os pais vão pensar?", "o aluno achará que está certo", "vai fixar o erro".
         Na verdade, falta compreensão da diferença entre trabalhar o processo de aprendizagem e trabalhar sobre o produto que a criança está realizando. Toda a tradição de correção com caneta vermelha e de cópia dos erros vem daí - existe o não saber, o saber errado e o saber certo
          E é claro que isso corresponde a uma concepção de aprendizagem, para a qual o ensino, por sua vez, cuida de evitar que se fixem na memória ideias erradas. Na visão construtivista, com uma abordagem psicogenética da alfabetização, fica claro que aquela escrita, errada segundo os padrões convencionais, faz parte de um processo do aluno. E que, naquele momento, é preciso estimular o máximo possível a reflexão sobre o que se escreve. É possível e necessário subsidiá-lo para ajudá-lo, o que é muito diferente de dar informações para obter um produto correto.
        A segunda versão é uma leitura parcialmente equivocada do que chamamos de conflito cognitivo. Ou seja, o que faz um menino, que está lá, bem satisfeito da vida, escrevendo uma letra para cada sílaba e conseguindo se virar assim, abandonar essa hipótese que, do ponto de vista teórico, é tão elegante? Como é que ele avança? Além da hipótese de que, para cada vez que abrimos a boca, usamos uma letra, ele tem outras, como a de que não pode escrever uma mesma letra repetida, escrever com poucas letras e, de forma alguma, escrever com uma letra só. Mas, para alguns, duas letras também é muito pouco. A média estatística da exigência é em torno de três letras.
        O que acontece com uma língua como o português, com uma quantidade enorme de palavras dissílabas?     Toda vez que a criança escreve um dissílabo, tem um problema, pois precisa colocar alguma coisa para não cometer um "sacrilégio". Essa contradição entre os esquemas explicativos que ela tem para a leitura e a escrita é que dá origem e espaço ao que chamamos de conflito cognitivo.
         A partir dessa explicação, os professores fazem uma assimilação de que é preciso produzir situações conflitivas o tempo todo. Mas o conflito ou é do aprendiz ou vira uma conversa sem nexo para ele.
          Uma das atitudes equivocadas mais clássicas nessa linha é mandar contar os pedaços de uma palavra falada. Por exemplo, para "borracha", bater três palmas, uma em cada sílaba. Então, o professor escreve a palavra, pergunta quantas letras tem e diz: "Você pensa que abrimos a boca três vezes e que é preciso colocar três letras, mas eu estou mostrando que não é, e que borracha, no papel, tem oito letras". Dependendo de em que nível os meninos estejam, isso não faz o menor sentido. E certamente não fará quando estão colocando três letras. Pode ser em uma transição, mas aí não é necessário ficar contando quantas vezes a boca abre ou quantas letras a palavra tem. A própria criança começa a batalhar para colocar as letras. Ou você pode - e para isso é preciso conhecê-la intelectualmente - dizer: "Você sabe fazer melhor do que isso. Pense mais um pouco".






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