sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Diversidade sociocultural brasileira em debate

Para Viviane Farias, especialista em diversidade, as leis que obrigam o ensino das culturas indígena e afro-brasileira nas escolas promoverão mudanças importantes


Desde 2003, com a sanção da lei 10.639, o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana se tornou obrigatório nas escolas de todo o país. Em 2008, a lei 11.645 somou a esse conteúdo a obrigatoriedade da história e cultura indígena nos currículos. A garantia da implementação dessas propostas nas escolas é responsabilidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC). NOVA ESCOLA conversou com Viviane Fernandes Farias, diretora de Políticas do Campo e Diversidade da Secadi, para saber quais as obrigações e desafios que as instituições de ensino - considerando gestores, professores e comunidade-- têm com relação à abordagem dos temas previstos nas leis.
 

-A cultura afro-brasileira e indígena só foram consideradas recentemente na história das leis ligadas à Educação no Brasil?

Viviane A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira já criavam dispositivos para uma revisão curricular que inserisse referências às contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. Seguindo essa diretriz, uma série de políticas públicas e novos textos legais passaram a ser formulados.


-Porque tornar esses conteúdos obrigatórios por meio de leis? Afinal, qual a importância deles para a Educação brasileira?

Viviane Essas políticas e programas que começaram a ser implementados têm duplo valor: atender às demandas de diferentes realidades socioculturais, ouvindo seus representantes, compreendendo suas expectativas quanto aos projetos comunitários; e valorizar a diversidade sociocultural dentro dos Sistemas de Ensino, mudando mentalidades, práticas pedagógicas e administrativas. A lei 10.639, por exemplo, mostra aos sistemas de ensino, escolas e a toda sociedade brasileira a necessidade da revisão das bases de projetos pedagógicos e curriculares ao inserir essas temáticas nas aulas. Esse é um esforço de democratização do ensino e de valorização do patrimônio cultural de povos e comunidades diferenciadas que formam a sociedade brasileira e que devem ser reconhecidos e respeitados. Assim, promovemos a superação de atitudes de preconceito e discriminação, decorrentes muitas vezes do desconhecimento dessas realidades.


-Como é feito acompanhamento da implementação das leis que obrigam o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas?

Viviane Os Conselhos Municipais, Estaduais e do Distrito Federal são responsáveis pela regulamentação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais em suas localidades. Na prática, o acompanhamento deve ser feito pelos sistemas de ensino, sendo prerrogativa de cada sistema fazer o controle das unidades de sua rede.
 

-O que são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e Ensino da Cultura e História Indígena? 

Viviane Essas Diretrizes Curriculares foram publicadas em junho de 2004 e apresentam um conjunto de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação para as relações étnico-raciais. É uma resolução ainda em vigor. Em 2009, o MEC publicou o Plano Nacional de Implementação dessas diretrizes curriculares, com metas a serem alcançadas até 2015. Neste plano, existem ações previstas para cada segmento educacional, para estados, municípios e governo federal. Os principais divulgadores desse conteúdo são os Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-Racial existentes nos estados e que estão iniciando em alguns municípios. O texto do Plano Nacional para a implementação dessas diretrizes está disponível no Portal MEC.
 

-Existe uma diferença entre escolas públicas e particulares com relação à implantação das leis?

Viviane A determinação legal é para a Educação Básica como um todo. A diferença está na formação continuada dos professores e no projeto político-pedagógico da escola. Por isso é importante a oferta de cursos e obras de qualidade sobre as temáticas tratadas nas leis. Só assim as formas de ensino desses conteúdos específicos serão coerentes com a realidade das comunidades onde se inserem os estudantes e com as demandas de uma sociedade democrática e respeitadora das diferenças culturais.
 

Como o MEC supervisiona a formação de professores e de materiais para o ensino história e da cultura afro-brasileira? 

Viviane O MEC atende às demandas dos estados, municípios e do Distrito Federal para Formação Continuada e Material Didático, através do Plano de Ações Articuladas (PAR), que é um instrumento de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da qualidade da Educação. Esse atendimento tem sido realizado por meio de cursos de Formação Continuada para professores das redes de ensino nas temáticas da História e Cultura Afro-Brasileira e dos Povos Indígenas por meio da Rede de Educação para Diversidade. Os cursos de formação são realizados em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

-Existe um prazo estipulado para que as escolas se adéquem às leis?

Viviane Não há no mecanismo legal prazo para implantação das leis em 100% dos municípios, tendo em vista a dimensão do país e as especificidades de cada região. Mas, como já disse, em 2009, foi elaborado o Plano Nacional de Implementação da Lei 10.639, com metas a serem alcançadas até 2015.

-O que os gestores escolares podem fazer para que suas instituições de ensino estejam dentro das leis?

Viviane O caminho é o da formação de professores e gestores para discutir a revisão das bases curriculares e pedagógicas dos projetos pedagógicos das escolas contemplando as temáticas das legislações e a disponibilidade de obras para qualificar os projetos. Os gestores têm o grande papel de incentivar os professores e mobilizá-los para a formação, além de apresentar essa proposta para financiamento pelo Ministério da Educação.
 

-Como os pais podem acompanhar o cumprimento dessas leis nas escolas de seus filhos?

Viviane Pais e mães devem ter representação no Conselho Escolar e também participar da elaboração do projeto pedagógico da escola, problematizando o que é importante os estudantes se apropriarem. A escola que constrói seu projeto pedagógico em diálogo com a comunidade está oportunizando a discussão de novas áreas de conhecimento que devem compor seus currículos, inclusive discutindo que não se trata de criar uma disciplina específica, mas abordar a história e cultura afro-brasileira e indígena de modo interdisciplinar.
 

-O MEC reconhece que a não implementação das leis pode não corresponder a uma negligencia das escolas, mas talvez à falta de estrutura para o ensino de tais temas?

Viviane Consideramos que existem experiências de implementação das leis pela iniciativa de coordenadores pedagógicos e de professores comprometidos com a associação significante entre escola/sociedade e que trabalham temas discutidos na sociedade como um todo, inclusive as temáticas abordadas pelas leis. E para as escolas que estão iniciando o processo, existem políticas de formação e outras para facilitar a implementação das leis.

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